Oh Theos!*

 

*”Oh meu Deus!( em grego)

 

Eu quero uma vaga no corredor.Eu quero uma vaga no corredor.Corredor.Corredor

Repeti isso para mim mesma várias vezes, lembrando da minha mini-claustrofobia de sentar no meio.

Peguei o cartão de embarque.60 B.Poxa, o assento é bem no meio.

No final a mulher perguntou se eu queria trocar de lugar para ela sentar do lado do marido.Bingo!Fiquei no corredor.Aleluia Senhor!

Conversei com uma colega de 60 anos do grupo, solteira.Fomos almoçar antes do voo e observei seu rosto.Os sinais da idade eram claros, mas ainda conservava os traços bonitos.Pode ser eu um dia.E tenho de estar preparada.Nem Deus garante nada mais.Oh karma!

Comentou que quando foi fazer as malas o  gato emburrou e eu ri alto.Lembrei de meu  Tobby mordendo e empurrando a mala, com medo de ser deixado pra trás.

Depois de 12 horas de voo aterrisamos em Roma pelas seis da manhã.Sempre uma emoção ver a paisagem pela janela.Passar pelo duty free e sentir que não se precisa de nada dali.Me bastava admirar e passar o tester dos cremes para o rosto cansado.

Eu amanheço em Roma.Estou lúcida.A vida é bela.Mas Roma não vai me salvar.Meus pensamentos e sentimentos vão.Não sou a mesma de 16 anos atrás.Vejo pizza, sorvete e gente loira ao redor.Estou na mesma Roma, mas renovada.

A itália pra mim é como aquela tia afetuosa que se conheceu tarde.

Bendita sala vip.

Pensei: Estou em roma e não vou comer uma pizza?

Pedi uma marguerita e peguei uma água sem gás.A essa altura na sala vip eu já tinha deitado no sofá, tomado 2 cafés e um vinho branco, e experimentado um doce típico da caixinha que comprei.

Lembrei do documentário que vi no avião: a farinha é a base da culinária italiana.La farina.

Pensei: minha mágoa debutou.Lembrei dos 15 anos para perdoar os desafetos e  agora isso se dissolve na pizza, no sorvete e nas cabeças loiras, nos cheiros, nas sensações, nos sotaques.Let it go, let it go.

Sobre o perdão, considero que fiz um doutorado espiritual.Meu mantra hoje é:

1-Compreensão: para se ter empatia com a dor do próximo.

2-Repreensão: Podemos e devemos impor limite aos que nos ferem.

3-Oração: para elevação espiritual e para que o outro evolua em consciência e alma.

 

Procuro observar tudo no ambiente e praticar o estado de presença.

Estava lendo sobre obsessões em um livro espírita e decidi que iria pesquisar a relação do TOC com o obsessor.

Vi que até dor de cabeça poderia ser o obsessor.Lembrei de mamãe e sua obsessiva dor de cabeça.

Perguntei à guia se poderia banhar no mar:

-O banho é gelado viu!Cuidado!

-Mas eu entro!-respondi.

Que nem vida de solteira.As vezes é gelada.Mas eu entro e aguento.

Toda civilização e cultura tem sua beleza e  seu valor.Talvez tenha até passado uma vida passada aqui.Não me toca a China, o Camboja, a Rússia, a Guiana.

Mas a Grécia estava na minha lista.Eu tinha o guia ilustrado da Folha.Eu tinha ido em 2 restaurantes gregos de São paulo.Eu estava ansiosa por aqueles 10 dias.

Lembrei da fala de Aquiles para A sacerdotisa Brisseis no filme Troia:”Vou te contar um segredo, algo que não lhe contam no teu templo.Os deuses nos invejam.Por que somos mortais.Qualquer momento pode ser o último.Tudo é mais bonito por que estamos condenados”

Não acabe, não acabe, por favor.

Pensei nisso enquanto almoçamos em um restaurante típico no centro de Atenas.

As cores, os cheiros, meu prato de spaguetti com frutos do mar , a sangria, a conta atrapalhada que ninguém entendia nada e teve que ser traduzida e que eu ri horrores.

Mais cedo tinhamos ido à Acrópolis, cercada por oliveiras.Subimos a escada, com uma multidão tanto de excursão de estudantes de bonés como de aposentados americanos de bengalas.

Cansada, recostei-me em uma pedra e falei rindo:

-Vou aqui filosofar…

Perguntei para a guia se ela conhecia os estóicos.Falou do Mito de Eros.A colega lembrou da música de Fábio junior e começamos a cantar ” alma gêmea” ali mesmo.

O chão da Acrópolis é metade terra metade mármore.Ainda é impressionante como resta no chão.Mas é escorregadio.Um colega nosso idoso derrapou no chão.

-Acho que vou pedir um mármore desses lá pra casa , o meu não dura tanto assim-riu a guia.

Na volta, descendo o templo, uma brasileira disse que estava se sentindo no carnaval em Salvador.

Mas passou rápido.Tão rápido que 4 da tarde já estávamos almoçando.

Nunca mais terás 34 anos,estará nessa mesma mesa, com esse mesmo grupo animado.

Eu entrei de fato no mar.No passeio de catamarã em Santorini.Fui a primeira do grupo a pular na red beach e a água estava muitíssimo gelada.Depois fomos em outra parte que era do lado de um vulcão inativo.A água era hora gelada hora quentinha.Dizem que é ligado ao vulcão etna da Itália.

Vi o pôr do sol mais lindo da minha vida, com as gaivotas cercando o sol e os barcos.

Mas antes de Santorini, fomos para Creta.

“Só existe um destino: para frente “- Diz a propaganda da Eurobank.

Me deparo no aeroporto de Atenas esperando um voo para Creta, da companhia Aegean.Egeu, em grego, pensei

No primeiro dia fomos visitar o palácio de Knossos, do rei Minos, de onde surgiu o labirinto e o mito do Minotauro.

Me veio à mente a frase de um arquiteto:Não existe obra perfeita.

Ali estava eu num palácio de 4 mil anos, que tinha 1500 quartos e veio um tsunami por cima.Essa civilização teve seu apogeu e decadência.Assim como cada um de nós.

Estamos correndo para o fim.

A Grécia tem um dedo em cada área do conhecimento ocidental.Do Direito à Psicologia, das Artes à Literatura.

Quando olhei aqueles vasos com figuras preto e fundo branco( e vice-versa) só lembrei das aulas de gestalt.A figura e o fundo do problema.

Nem toda vitória é em cima de um diploma, de um saldo bancário ou de um passaporte carimbado.

A maior vitória será sempre sobre nossos pensamentos e emoções.

A mãe do filósofo Sócrates era parteira e isso o inspirou a criar a Maiêutica, o ” parto de ideais”.

O questionamento socrático veio disso.Uma fila de por quês e a verdade vai aparecendo.

Dizem que terapeuta não dá conselho.Eu discordo.Aulas de sabedoria vindo de alguém que decifrou as dores da existência são sempre bem-vindas.

Em Creta visitamos uma fábrica de azeite artesanal e a paisagem lembrava muito a Toscana.Provamos vários tipos  e depois fomos à uma vinícola.

O prato de frios harmonizava demais com os vinhos servidos.Havia uma geléia amarela de gosto parecido com damasco, mas que era de fruta do cacto.À noite fomos para o rooftoop com a vista para um forte veneziano de 1506.O garçom no final do jantar deu um prato de frutas muito bem servido como cortesia.

Ser imperfeito é divino.

Que dirá os deuses com seus conflitos.Cada um representando uma dimensão da vida na época.

Pensei nisso enquanto aquele dia amanhecia em Santorini.Pegamos o ferry boat e chegamos na Ilha Cíclade, com as famosas casas brancas.

Dia 20 fiz meu ensaio com uma fotógrafa brasileira.Meu

Cabelo estava ondulado natural, pele com pouca make, 20 kgs a mais.

Mas era eu.Nunca mais teria 34 anos, naquele contexto, naquela primavera de maio.

Nunca mais faria o mesmo roteiro, com a mesma turma animada, que parece que o deus Dionísio encheu de vinho.

Chegamos em Oia cedo,mas não tinha tomado café.

Estava azul de fome e fomos para um restaurante charmoso ali perto.Comi uma panqueca com iogurte, chocolate quente e cheesecake de sour cherry.

Ali estava eu.Santorini contemplando o mar que se fundia com o céu azul.

16:30 minha colega de quarto entrou e nos arrumamos para o passeio de  jet ski.Chegando lá colocamos a roupa de mergulho apertada e o céu tinha cara de que não ia ajudar.

Jet ski no mar egeu.Oh Theos!Pra quem só tinha andado na lagoa do portinho, aquilo era uma vitória.Poseidon deveria estar orgulhoso com minha empreitada.

O dia nublado não tirou a beleza da aventura.

Chegando perto da praia desliguei o motor.Fui sair e caí no mar.Tentei levantar e veio uma onda gelada e me derrubou.Fabi riu e eu disse: acho que o mar não quer que eu vá!

Não parava de pensar: esse é o lugar mais bonito da europa.

Um banquete para as sensações.O mel, o azeite, o vinho,o queijo feta, o céu azul que se funde ao mar, as casinhas brancas que vão da farmácia à boutique da Louis Vuitton.Único.

Nunca mais verás esse mesmo sol, rirás de descer do jetski no mar egeu gelado e dessa areia preta irritante.

Nunca mais vai rir do guia de olhos azuis, da roupa de mergulho apertada.

Nunca mais pegarás o carro 7 da manhã tirar fotos em Oia, comer um cheesecake de sour cherry e pancake de iogurte grego.

Nunca mais será do mesmo jeito.

Poseidon foi testemunha da minha aventura aquática.

Atenas testemunha dos meus risos na Acrópoles e do azeite que provei.

Eros testemunha dos olhos azuis que gamei.

Baco testemunha dos vinhos que provei.

Tudo divinamente imperfeito.

 

Ps: minha funcionária notou que o azeite grego na geladeira não congela.Depois, ela desmentiu.

 

 

 

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