Lulu e o amor

 

 

“O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não.”

Fernando Pessoa

 

Lulu me recepciona sempre da mesmíssima forma: cheira o pé da porta e pula sem parar quando entro. Já sabe que sou eu. Dispara correndo para o sofá, rasgado por ela própria, e espera. Sento e ela se acomoda no meu colo. Em seguida, vira de ponta cabeça para eu massagear sua barriga. Tenta pegar meu chinelo, não dá a mínima bola para os brinquedinhos que eu comprei para ela. Prefere o chinelo rasgado e usado de sua dona.

Lulu sobe na mesa, na cadeira, no meu colo, no sofá. Quando se liga a máquina de costura, ela quer fuxicar, saber o que é. Não tem medo de ser atingida. Aliás, ela não sabe o que é o medo. Insaciável, atenta e esperta, essa é Lulu, a quase Dachshund que comprei há nove anos.

Às vezes, gostaria que ela fosse mais calma, mas é exatamente essa excentricidade que a faz singular. Lulu me ensina que o amor verdadeiro é inesgotável e serelepe. Lulu também não cansa de lamber meus pés, nunca entendi essa sua fixação. Comprova o que um professor de filosofia falou: paixão não cansa.

Lulu também se despede sempre da mesma forma: fica parada olhando para a porta, quando eu a atravesso. Lulu começa a lacrimejar. Ela sabe que não pode sair, ela sabe que não há outra saída. Olha fixamente para a porta como quem pensa “acabou a visita”.

Cresci em uma casa cheia de cachorros, pastores-alemães e vira-latas. Havia o dia do banho de sol, que eu aguardava ansiosamente. Saí da casa, mas o espírito da casa não saiu de mim. Antes de Lulu chegar, a vira-lata Jolie foi o exemplo perfeito do  que um cachorro seria, mas morreu de maneira inesperada, debaixo do pé de jambo. Uma tristeza só.

Depois, no pet shop, encontro Lulu, latindo, desesperada. Estava para doação. Pequena, franzina, olhos que pediam um lar. Seu primeiro sono foi profundo, na minha cama. Mexia com os cachorros maiores, era extremamente inquieta. Uma parente a levou, virou a “avó”. Lulu vai morrer moça velha, se depender de quem a cuida, claro.

Lulu me ensina que o amor verdadeiro e fraterno não é, às vezes, como a gente espera, mas é muito melhor do que a gente merece. Sim, porque nos faz sentir amados dando tão pouco. É profundo, consolador.

Sempre gostei de cachorros e, desde pequena, gostava mais deles do que de bebês. No quesito brincar, os cachorros ganhavam. Pegavam a bola, corriam junto, dormiam debaixo da cama, passeavam na rua. Na minha visão de criança, bebês choravam muito, eram muito delicados, eram egoístas e não podíamos dizer nada que ficariam traumatizados.

O tempo passou e hoje gosto dos dois, mas os bebês ganham. Bebês não precisam que a gente lave as mãos toda vez que brinque, crescem e se tornam nossos companheiros. Cachorros, só para os finais de semana (e, preferencialmente, devem pertencer aos outros). Sempre dizemos que Lulu foi a filha que a minha parente não teve. Virou “mãe”, de uma forma ou de outra. Descobriu um lado altruísta, antes encoberto pela solidão.

Ser mãe é ser alguém que não desistiu do amor. Ser mãe é ser alguém em eterno suspiro.

 

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